A Grécia, o Mercado Comum Europeu, a Herança do Feudalismo e a Copa do Mundo de 1990
Todos nós temos acompanhado, nos noticiários dos últimos dias, a bancarrota da Grécia, cuja dívida externa já supera seu Produto Interno Bruto (PIB), ou tudo aquilo que sua economia é capaz de produzir em todo um ano.
A “ajuda” de cerca de 110 bilhões de euros que a Comunidade Européia e o FMI, se propõem a dar à Grécia é, literalmente, um presente de grego, já que as exigências e garantias que são exigidas do país, como pré-condição para o recebimento de tal empréstimo, os economistas concordam, são absurdas, e impossíveis de serem atendidas.
Mas, mesmo assim, o Parlamento grego aprovou as pré-condições, ainda que os tumultos em Atenas já tenham causado várias mortes. Os gregos, como aliás qualquer outra nação no mundo, não se sentem na obrigação de pagar pelos desmandos, irresponsabilidades e desonestidade de seus políticos. E por não concordarem, saem às ruas para protestar.
O que me chama a atenção nesta tragédia grega, que aliás não guarda nenhuma semelhança, ao menos que eu saiba, com outras narrativas, muito mais antigas, sábias e seguramente, mais interessantes, não é o enrredo em si, mas sim, a cultura feudal que se esconde por trás da crise grega. Explico melhor:
Nas últimas semanas, presenciamos a relutância dos demais países pertencentes à CEE, notadamente a Alemanha, em concordar com a ajuda financeira ao país membro. Mais ou menos como se, guardadas as devidas proporções, o Piauí ou Alagoas, tivesse se tornado incapaz de saldar seus compromissos, pedisse ajuda ao Governo Federal, e São Paulo ou o Rio Grande do Sul, tentasse impedir o empréstimo ou impusesse condições exorbitantes para o socorro financeiro.
Bem, alguém pode ver lógica nisto e até bom senso, concordo, mas convenhamos, esta atitude não condiz bem com a natureza da cultura brasileira. Afinal, falamos o mesmo português, ou quase, em todas as cidades, temos as mesmas paixões, sentimos de forma muito semelhante, e ainda que às vezes não concordemos com atitudes ou decisões ocorridas em outros estados da federação, nem assim, saímos em protesto às ruas. Em síntese, somos uma nação com uma forte unidade cultural, uma tradição e identidade que vem se mantendo íntegra ao longo dos séculos. Alguns podem não gostar do “jeitão” desta cultura, mas ninguém pode negar a coesão que foi forjada pela História.
O paralelo com a Europa é óbvio. O que vemos naquele continente é justamente o oposto. Se num mesmo país, convivem hábitos, gostos, tradições, religiões, e até línguas diferentes, o que não dizer entre países? O Sistema feudal, com as cidades-estado, que prevaleceu na Europa por toda idade média e até além desta, explica as origens das diferenças sociais. Cidades muradas, cobrança de pedágio para atravessar estradas, micro culturas arraigadas e solidamente preservadas a poucos quilômetros de distancia, uma das outras. Uma cocha de retalhos social.
Adicionalmente, não se pode esquecer as milhares de guerras, conflitos, disputas, que coalharam a História do velho continente e ajudaram a cavar o fosso cultural que ainda hoje existe. Inclusive, ainda no passado recente.
A título de exemplo, se você não sabe a resposta, pergunte a um alemão qual a opinião dele sobre a organização italiana, ou então, a um belga-flamengo de língua holandesa o que este pensa do belga-valão, que fala Frances… d
Para terminar uma história que aconteceu comigo mesmo, e que serve para ilustrar a questão:
Em julho de 1990, fui fazer um curso de administração no INSEAD, em Fontainebleau, França. Éramos cerca de 200 executivos, vindos de vários continentes, mas a grande maioria, vinha da própria Europa. O grande tema discutido nas aulas naquela época era exatamente como integrar o mercado comum europeu, dadas as diferenças culturais e econômicas reconhecidas entre os 12 países-membros de então.
Ao final de 30 dias de aulas, práticas, exercícios, palestras, e discussões intermináveis, o curso chegava ao fim, e o otimismo quanto à viabilidade da integração dos mercados era uma realidade. Chegava ao fim também, a Copa do Mundo, naquele ano disputada na Itália e para decepção dos italianos (e brasileiros) a final seria entre as seleções da Argentina e Alemanha.
A organização do INSEAD, decidiu montar no anfiteatro da universidade um grande telão, pois assim todos nós poderíamos assistir à grande final do mundial. E assim foi naquele domingo de sol e calor. Começa o jogo, o anfiteatro lotado com os alunos, e como sempre acontece, ficou fácil perceber quem torcia para quem, naquela verdadeira babel: para a Alemanha torciam o alemães naturalmente, e eu, único brasileiro ali presente. Para a Argentina, a grande maioria, mas principalmente todos europeus que não eram alemães…
A reflexão é: as diferenças existem e são importantes, mas não devem ser empecilho para que se chegue num acordo aceitável pelas partes.
Ricardo, gostei como escreveu sobre a crise na Grecia , ando muito preocupada sobre a situacao da Europa, todos estamos acho eu. Estive na semana passada com dois executivos do Santander e falamos bastante sobre a crise da Espanha. Mas a tua reflexao final é perfeita, parabens !!!